O fio da navalha
O exercício dos cargos públicos, criados para servir ao interesse coletivo, não pode deixar de ficar exposto à censura pública, à sindicância dos cidadãos em geral”.
O texto de Nelson Hungria deixa claro que não se pode impor limitação à liberdade de expressão, pois se corre o risco de exercer controle ao direito de informação ou de obstaculizar a crítica, que são essenciais para proteger o pluralismo político. A liberdade de expressão deve ser garantida. A liberdade de imprensa está vinculada ao Estado Democrático de Direito. Dela não se prescinde. Só os regimes de grilhões e feudais a cerceiam. O que se espera, é que nenhum jornal sério e independente precise mais substituir notícias ou opiniões pelos versos dos Lusíadas ou por receitas de bolos. A crítica é saudável, necessária, consentida, ainda que enérgica ou veemente.
Relato tais fatos, fundamentados em decisão jurídica, proferida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em função de ação impetrada contra jornal por entidade política, julgada improcedente.
A liberdade de expressão baseia-se no fundamento básico do direito à cidadania, do direito ao exercício pleno da expressão através de reivindicações e esclarecimentos; porém tal liberdade não pode ser confundida com impunidade total quando veículos de comunicação intitulados “jornal” venham a agredir de forma deliberada e com finalidades espúrias a honra e a reputação de um cidadão. Não se pode tomar a idéia da total intocabilidade pelo fato de deter o poder da propagação de fatos, usado de forma imprópria, muitas vezes inverídica e com a finalidade de obter vantagens políticas e principalmente financeiras. É a famigerada ‘imprensa mercenária’, se é que se pode chamar de ‘imprensa’ tais ‘boletins informativos’, preparados para elencar inverdades e bajulações a serviço dos políticos de plantão.
Quem quiser ser jornalista e ambicionar agrados do poder e, ao mesmo tempo, o respeito profissional, é bom ir logo procurando outra atividade.
A informação deturpada é uma arma perigosa que atenta contra a democracia e o pluralismo, é uma questão de sobrevivência política para os políticos inescrupulosos. O conceito é: “quem ilude mais, ganha mais”, ao menos temporariamente. O sonho e devaneio de um alcaide, é ser considerado impecável e infalível diante da opinião pública. Não somente pela vaidade pessoal desmedida, mas também pela necessidade de sobrevivência política. Para isso, contam com a dependência de empresas que se lançam à aventura do jornalismo e cercam o poder em prol de vantagens pessoais. Essas empresas, opacas por princípio, necessitam do efêmero brilho do poder por não possuírem brilho próprio, por não possuírem poder próprio. Necessitam das verbas do poder público como meio de sobrevivência empresarial e pessoal de seus dirigentes.
Não é à toa também que esses políticos, ‘translúcidos’ de afirmações e obscuros de verdades, se lancem ferozmente em busca do controle dos órgãos de imprensa a fim de sustentar sua rede de inverdades com a finalidade da obtenção do voto, com a finalidade de iludir a opinião pública. Para isso não basta somente o controle aos meios de comunicação escrita mas, também, o aliciamento da imprensa falada e televisada com polpudas verbas de publicidade em prol de seus objetivos políticos.
Chegou-se ao ponto de um vereador da base de sustentação do executivo apresentar documento pedindo empenho para se abrir uma rádio comunitária em nossa cidade para que a prefeitura pudesse se comunicar com a população e ouvir ‘críticas e reclamações’. Sabe-se que seria uma afronta total ao princípio imparcial dos meios de comunicação. Seria o máximo do controle de massas uma prefeitura ter o controle de uma rádio, que é um poderoso instrumento de comunicação instantânea. Quiçá tal pretensão não se concretize. Porém como Ilhabela é terra de ninguém no campo jurídico, solo fértil para Leis inconstitucionais e abusos de poder, tudo é possível. Porém, também, necessário se faz que os cidadãos estejam atentos e conscientes em relação às tentativas constantes do controle das massas. Aniquilar a consciência popular é a pretensão maior dos governantes de plantão, que tentam de todas as formas se perpetuar no poder em face de imensa rede de benefícios que se obtém através da incisiva pressão exercida para conceder um simples alvará ou para pressionar quem se interpõe a submissões em troca do óbvio: a cidadania.
O jornalismo independente e, portanto, com credibilidade, significa atritos com o poder. Atritos significam boicotes e ataques.
Por traz desses ataques à liberdade de expressão e à verdade dos fatos, existe uma deliberada tentativa de neutralizar as revelações ou críticas, inclusive a vontade e a ação em pressionar anunciantes para impedir a circulação de nosso jornal.
Entre as palavras proferidas em ‘discursos’ pelo alcaide, afirmando que não persegue ninguém, e a verdade dos atos, quem sofre as intimidações, sabe. Incoerência total de palavras e princípios.
Mente mais, quem tem mais a esconder.
Essa é a verdade.
Essa é a maior afronta aos direitos e à liberdade de um cidadão e da comunidade.
“Aqui é o ponto-limite, a terra de ninguém, o campo minado, a fronteira onde se caminha sobre o fio de uma navalha”.
João Fernando Santini
Diretor Responsável / Tribuna de Ilhabela
Publicado: Ilhabela-SP
01 a 15 de junho de 2003
Ano IV - nº 46
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